Casos de acasos e bocas - José Humberto



Gosto quando o acaso me conduz
Quando me carrega nas asas das inconstâncias
Mas me faz feliz.
Para a velha João Pessoa o acaso me traz.
Me trouxe sobre suas asas desconfiadas
E medrosas.
Um primeiro voo. Carregado de medo e inseguranças
Aqui, aqui na João Pessoa fria de julho, vivi meu momento de epifania carnal.
O acaso, este mesmo que me trouxe até aqui, me fez perambular pelas ruas
Procurar os becos, onde vozes iguais as minhas fossem encontradas
Precisava falar com gente silenciada como eu
Precisava encontrar mais que carnes frescas, um carinho preciso
Preciso de desconhecer.
Lugar encontrado.
Sempre se encontra lugares para os silenciados
Sempre há um lugar. Encontro.
Olhares desconfiados a procura de uma carne distinta.
Entram.
Saem.
Voltam.
Mas, nenhuma carne é distinta o bastante.
Toalha branca na cintura destoa entre os silenciosos alguém igual a todos.
Lá vem... ... ... ...
Passa. Nem olha.
Olho eu. Eu procuro. Ele não.
Presa garbosa não procura é procurada.
Sigo, paro. Olho e ele foge.
(re)sigo,paro. Olho e ele foge.
Sigo novamente, paro, olho, sorrio e ele caminha.
Sigo novamente, paramos, olhamos, sorrimos e nos entregamos.
Porta fechada. Carinhos silenciosos. De gente silenciada.
Bocas enfurecidas. Mãos carnívoras.
Boca carnuda. Aveludada com gosto romã e cor de pecado.
Boca desbravadora, fazedora de cartografias corporais.
Sossego de busca. Troféu de presa caçadora, por fim todos somos presas.
Simbiose de corpos e de sentimentos. Entregues ao acaso e ao silêncio dos prazeres.
No canto (in)canto devaneio minhas tremuras e digo que
Reverbera em minha alma a dor do silêncio de nosso sexo esquecido.
Aquece minhas vergonhas e excita esse corpo esguio todo toque que você me dá.
As costas largas que vejo sobre o espelho da janela e a ternura do olhar que lanças sobre mim me coroam.
Essas mãos carnívoras que consomem minhas carnes e este seu modelo arcaico de me desnudar. Porque sou todo de você e seus eus são tão meus que esqueço de mim quando mergulho em seu eu erecto.

RESPOSTAS EM TEMPOS DE PERGUNTAS: MILTON JÚNIOR “FAZ PARTE DO MEU SHOW”






Da casa em que moro até o Espaço Verde, foram exatos 10 minutos. Pelo vidro do carro acompanhava aquele monte de luzes que se desafaziam à medida que eu passava por elas, um descompasso quase coreografado que despertou-me à reflexão.
Como se vivesse um fluxo de consciência, questionei-me quais os sinceros motivos que fizeram com que um sincrético revoltado como eu, escolhesse estar entre a plateia do show de lançamento do primeiro CD do Milton Júnior. Não tive dúvidas de que a amizade e a procura por um momento cultural foram o elo mais forte nesta união.
Com uma hora e quarenta e sete minutos de atraso, o show começou e o Milton que se viu, nada se parecia com o que conheci há algum tempo atrás. O menino de outrora, era o músico maduro e talentoso do presente. Alguém perdeu espaço naquele palco: o menino! E olha que de todos os males este nem foi o pior, afinal de contas o que são dos meninos se não crescem e se transformam em bons homens?
Não tive dúvidas de que a escolha da noite foi certa e que a “não presença” do menino renderia ótimas horas de prazer musical pra mim, humilde homem com eterna alma criança.
No repertório do show “RESPOSTAS” cerca de 16 músicas colaboraram para uma linda viagem que contou com composições de autoria pessoal do jovem artista e de clássicos da Música Popular Brasileira como “Tocando em frente” de Almir Sater.
Com um talento vocal perceptível e participações ilustres, Milton Júnior que ainda insiste em se apresentar sob a luz do diminutivo “Miltinho”, se mostrou grande, um artista que começa no rumo certo e que tem tudo para ter uma brilhante carreira.
Se estivéssemos falando de música secular, diria que estamos prestes a ver mais uma estrela nascer, no entanto como estamos no meio sacra, dou tiro certo ao afirmar que junto ao celeiro da música católica de qualidade, mais uma voz agasalha-se no aconchego do sucesso e essa voz vem em tom certo, em tons de mi.
Em tempos de perguntas e de várias dúvidas, a proposta do show Respostas vem certeira e enfática: “perguntas o que queres saber e lhes darei todas as respostas”, uma abordagem cristã a partir da ótica dos questionamentos e fraquezas humanas. Um belo espetáculo!
Ao fim, saciado das minhas curiosidades, comprei meu CD e sem autógrafo voltei pra casa, pois para quem tem o dom da amizade, de nada vale os rabiscos de uma caneta.
Milton Júnior, você “faz parte do meu show”.


José Humberto dos Anjos

Moinho do tempo ( Especialmente ao amigo Dan) José Humberto dos Anjos


Esse moinho que mói meus sonhos, que remói meus desejos.
Que leva o tempo
Que vem nos eneis, ereis e me faz sentir-me vivinho.
Que roda no vento, me faz desalento e me torna atento.
Que me faz excitar...
Me proporciona gozar...
Me embala no sonhar sem medo de me acordar...
Que traz amizade e sentir saudade.
Que roda horário, que vai e que vem... Que me dá carinho me torna homem apaixonado em homem, solitário passarinho.
Que me Dan! Que me Dan!
Que me dane-se.
Moinho que dá saudades. Que me lembra Quixote, que me faz pixote.
Me Dan. Meu Dan...
Especialmente Dan!

Reconvexo - José Humberto dos Anjos


Ele Era um bom homem.
Amava as estações e admirava as flores.
Olhava para o fim e via o infinito
Ofertava flores, dava bombons.
Ouvia os outros, se recolhia sempre na dor.
Não incomodava nem seu Eu.

Ela era uma mulher comum.
Amava os homens e trocava-os como as árvores trocam folhas
Olhava uma pedra, via um abismo sem fim.
Dava aos homens, e deles se saciava por ela mesma.
Fala, falava, e mais palavras sempre lamentava.
Incomodava seu id valente.

E o desgraçado destino os uniu. Os predestinou!
E se conheceram e ele amou-a de forma singular
Laborava.
Amava.
Lutava.
Não desconfiava.

E os minutos se foram... a trama de Otelo se viu.
Ela se meteu nos caminhos de sempre.
E ele só de amor se cobriu.

Ela andou pelos bares
Conheceu os vizinhos.
Brincou com os amantes da rua
Se jogou nos homens da vila, se exibia ao brilho da lua.

E ele a amava.
E assim, a amou muito, amou-a sempre.
Pensava nela, pensava nela. Que pensamento triste ele pensava sempre.

E ele a amou.
Amou-a sempre e até o fim.
Até morrer sem causa, deitado na copa com o copo nas mãos e a carta na terra.

Pois a vida é tão justa com as pessoas erradas e tão injusta com as pessoas certas.